A assinatura de contrato
de concessão de imóvel entre o novo proprietário e quem ocupava o
espaço irregularmente, porque vencida a vigência da concessão
anterior, legitima a posse, tornando extinta ação de reintegração
proposta antes da alienação do terreno. Esse foi o entendimento da
Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso
especial envolvendo o município de São José dos Campos (SP) e a
Companhia Brasileira de Distribuição.
Para o ministro Luis
Felipe Salomão, relator do recurso especial, a posse ilegítima da
empresa (na ocasião do ajuizamento da ação possessória) deixou de
existir no momento do acerto feito com o novo proprietário do
imóvel. Ou seja, por vontade do atual detentor do direito material,
a legitimação da posse foi recuperada pela empresa.
Em 1970, o município de
São José dos Campos celebrou contrato de concessão de uso de
imóvel público com a Companhia Brasileira de Distribuição, com
vigência de 30 anos. Vencido o prazo de concessão, o município
informou à empresa que não tinha interesse em prorrogar o contrato
e pediu a desocupação do espaço.
Diante da inércia da
empresa em desocupar a área, o município ajuizou ação de
reintegração de posse e, além disso, pediu o valor correspondente
aos aluguéis pela utilização do imóvel, desde o dia do término
da concessão até o da efetiva entrega do bem.
O juízo de primeiro grau
determinou a reintegração da posse do imóvel ao município e
condenou a empresa ao pagamento dos aluguéis requeridos e também de
honorários advocatícios fixados em cerca de R$ 373 mil (10% do
valor da causa).
Dois fatos novos
A empresa apelou ao
Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) contra a sentença, porém,
posteriormente, informou um fato que, segundo ela, teria provocado a
perda do objeto da ação: o município havia alienado o imóvel, com
todos os direitos decorrentes, ao Instituto de Previdência do
Servidor Municipal (IPSM). Diante disso, pediu a extinção do
processo.
O TJSP negou o pedido de
extinção do feito e manteve a sentença, apenas reduzindo a verba
honorária para R$ 50 mil.
Posteriormente, a empresa
informou um segundo fato, que poderia tornar o processo prejudicado:
a assinatura de contrato de concessão do imóvel entre a empresa e o
IPSM, novo proprietário do imóvel. Além disso, opôs embargos de
declaração para reiterar o pedido de extinção. O TJSP acolheu os
embargos para tornar sem efeito o acórdão da apelação, com o que
ficou mantida integralmente a sentença de primeiro grau.
Insatisfeita com a
decisão, a Companhia Brasileira de Distribuição interpôs recurso
especial no STJ. Em seu entendimento, em vez de tornar sem efeito o
recurso de apelação, o TJSP deveria ter extinguido o processo por
perda superveniente de objeto. Alegou que a decisão final do TJSP
desconstituiu a parte que lhe era favorável no julgamento da
apelação, referente à diminuição da verba honorária.
De acordo com o ministro
Luis Felipe Salomão, relator do recurso especial, os dois fatos
noticiados pela empresa (alienação do imóvel pelo município ao
IPSM e posterior celebração de novo contrato de concessão entre a
empresa e o IPSM) devem ser apreciados separadamente, porque deles
decorrem consequências jurídicas diversas.
Manutenção das
partes
Quanto ao primeiro fato,
o relator explicou que o artigo 42 do Código de Processo Civil prevê
a manutenção das partes no processo. Diante disso, poderá figurar
na ação quem não seja mais detentor do direito material disputado.
Porém, o parágrafo 1º
do mesmo artigo traz uma exceção à regra prevista no caput, qual
seja, se a parte contrária (no caso, a empresa) concordar e o
adquirente (o IPSM) tiver interesse em ingressar na ação, o
alienante (o município) poderá ser substituído. Há ainda outra
possibilidade: caso a parte contrária não seja favorável à
substituição, o adquirente poderá intervir no processo como
assistente.
No caso, o ministro
entendeu que “a alienação do bem litigioso não deve prejudicar a
ação possessória, bem como o pedido consecutivo de arbitramento de
aluguéis, seja porque houve a estabilização subjetiva da demanda,
seja porque se mostra dispensável a discussão de domínio em ação
possessória”.
O segundo fato mencionado
gerou efeitos relevantes no processo. O relator explicou que, quando
o município alienou o bem ao IPSM, deixou de ser parte no processo
no âmbito do direito material, porém, continuou sendo parte
legítima no plano do direito processual.
Segundo Salomão, “o
contrato de concessão de uso de imóvel celebrado posteriormente, no
que concerne à posse discutida nos autos, consubstanciou verdadeira
transação entre as partes de direito material – a ré da ação e
o novo proprietário do bem”.
Por isso, tendo o
contrato de concessão de uso sido celebrado fora dos autos – pois
não houve a substituição de partes no processo –, os efeitos em
relação ao pagamento de aluguéis e da verba honorária devem ser
mantidos.
Recuperação da
legitimidade
Para o relator, a posse
ilegítima da empresa deixou de existir no momento do acerto feito
com o novo proprietário do imóvel.
Entretanto, ele explicou
que tal fato não gerou a perda superveniente do objeto da ação,
mas somente a improcedência do pedido do município quanto à
reintegração de posse. “Assim, mostra-se desacertada a solução
conferida pelo acórdão recorrido, ao reconhecer que o fato novo
gerou a perda de objeto do recurso [de apelação], em evidente
prejuízo ao recorrente [Companhia Brasileira de Distribuição] que
possuía contra si sentença de mérito de total procedência”,
disse o ministro.
Como a empresa requereu
no recurso a extinção do processo sem resolução de mérito, o STJ
não poderia ultrapassar o pedido, para não cometer nova
ilegalidade. “Assim, o processo deve ser parcialmente extinto sem
exame de mérito, tal como pleiteado pela recorrente, mas apenas no
que concerne ao pedido de reintegração de posse”, disse Salomão.
Em relação ao pagamento
dos aluguéis, o relator afirmou que a decisão das instâncias
ordinárias deve ser mantida, porque é independente do pedido
possessório. Os aluguéis correspondem ao período em que a empresa
permaneceu no imóvel, a partir do término do prazo da primeira
concessão, até a data da celebração do novo contrato de
concessão.
Quanto à verba
advocatícia, o ministro reconheceu que o TJSP, ao anular o próprio
acórdão na apelação, ofendeu o princípio do non reformatio in
pejus (que impede que o julgamento de um recurso piore a situação
de quem recorreu). O acórdão de apelação havia reduzido a verba
de R$ 373 mil para R$ 50 mil. Com o acolhimento dos embargos de
declaração, o acórdão foi tornado sem efeito e a sentença foi
restabelecida integralmente, em prejuízo da empresa.
Por isso, o ministro
declarou que os honorários advocatícios devem ser mantidos em R$ 50
mil, conforme o acórdão de apelação. Acessado em 8/7/2012)