domingo, 8 de julho de 2012

NOVO CONTRATO DE CONCESSÃO LEGITIMA POSSE IRREGULAR E AUTORIZA EXTINÇÃO DE AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO


A assinatura de contrato de concessão de imóvel entre o novo proprietário e quem ocupava o espaço irregularmente, porque vencida a vigência da concessão anterior, legitima a posse, tornando extinta ação de reintegração proposta antes da alienação do terreno. Esse foi o entendimento da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso especial envolvendo o município de São José dos Campos (SP) e a Companhia Brasileira de Distribuição.
Para o ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso especial, a posse ilegítima da empresa (na ocasião do ajuizamento da ação possessória) deixou de existir no momento do acerto feito com o novo proprietário do imóvel. Ou seja, por vontade do atual detentor do direito material, a legitimação da posse foi recuperada pela empresa.
Em 1970, o município de São José dos Campos celebrou contrato de concessão de uso de imóvel público com a Companhia Brasileira de Distribuição, com vigência de 30 anos. Vencido o prazo de concessão, o município informou à empresa que não tinha interesse em prorrogar o contrato e pediu a desocupação do espaço.
Diante da inércia da empresa em desocupar a área, o município ajuizou ação de reintegração de posse e, além disso, pediu o valor correspondente aos aluguéis pela utilização do imóvel, desde o dia do término da concessão até o da efetiva entrega do bem.
O juízo de primeiro grau determinou a reintegração da posse do imóvel ao município e condenou a empresa ao pagamento dos aluguéis requeridos e também de honorários advocatícios fixados em cerca de R$ 373 mil (10% do valor da causa).
Dois fatos novos
A empresa apelou ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) contra a sentença, porém, posteriormente, informou um fato que, segundo ela, teria provocado a perda do objeto da ação: o município havia alienado o imóvel, com todos os direitos decorrentes, ao Instituto de Previdência do Servidor Municipal (IPSM). Diante disso, pediu a extinção do processo.
O TJSP negou o pedido de extinção do feito e manteve a sentença, apenas reduzindo a verba honorária para R$ 50 mil.
Posteriormente, a empresa informou um segundo fato, que poderia tornar o processo prejudicado: a assinatura de contrato de concessão do imóvel entre a empresa e o IPSM, novo proprietário do imóvel. Além disso, opôs embargos de declaração para reiterar o pedido de extinção. O TJSP acolheu os embargos para tornar sem efeito o acórdão da apelação, com o que ficou mantida integralmente a sentença de primeiro grau.
Insatisfeita com a decisão, a Companhia Brasileira de Distribuição interpôs recurso especial no STJ. Em seu entendimento, em vez de tornar sem efeito o recurso de apelação, o TJSP deveria ter extinguido o processo por perda superveniente de objeto. Alegou que a decisão final do TJSP desconstituiu a parte que lhe era favorável no julgamento da apelação, referente à diminuição da verba honorária.
De acordo com o ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso especial, os dois fatos noticiados pela empresa (alienação do imóvel pelo município ao IPSM e posterior celebração de novo contrato de concessão entre a empresa e o IPSM) devem ser apreciados separadamente, porque deles decorrem consequências jurídicas diversas.
Manutenção das partes
Quanto ao primeiro fato, o relator explicou que o artigo 42 do Código de Processo Civil prevê a manutenção das partes no processo. Diante disso, poderá figurar na ação quem não seja mais detentor do direito material disputado.
Porém, o parágrafo 1º do mesmo artigo traz uma exceção à regra prevista no caput, qual seja, se a parte contrária (no caso, a empresa) concordar e o adquirente (o IPSM) tiver interesse em ingressar na ação, o alienante (o município) poderá ser substituído. Há ainda outra possibilidade: caso a parte contrária não seja favorável à substituição, o adquirente poderá intervir no processo como assistente.
No caso, o ministro entendeu que “a alienação do bem litigioso não deve prejudicar a ação possessória, bem como o pedido consecutivo de arbitramento de aluguéis, seja porque houve a estabilização subjetiva da demanda, seja porque se mostra dispensável a discussão de domínio em ação possessória”.
O segundo fato mencionado gerou efeitos relevantes no processo. O relator explicou que, quando o município alienou o bem ao IPSM, deixou de ser parte no processo no âmbito do direito material, porém, continuou sendo parte legítima no plano do direito processual.
Segundo Salomão, “o contrato de concessão de uso de imóvel celebrado posteriormente, no que concerne à posse discutida nos autos, consubstanciou verdadeira transação entre as partes de direito material – a ré da ação e o novo proprietário do bem”.
Por isso, tendo o contrato de concessão de uso sido celebrado fora dos autos – pois não houve a substituição de partes no processo –, os efeitos em relação ao pagamento de aluguéis e da verba honorária devem ser mantidos.
Recuperação da legitimidade
Para o relator, a posse ilegítima da empresa deixou de existir no momento do acerto feito com o novo proprietário do imóvel.
Entretanto, ele explicou que tal fato não gerou a perda superveniente do objeto da ação, mas somente a improcedência do pedido do município quanto à reintegração de posse. “Assim, mostra-se desacertada a solução conferida pelo acórdão recorrido, ao reconhecer que o fato novo gerou a perda de objeto do recurso [de apelação], em evidente prejuízo ao recorrente [Companhia Brasileira de Distribuição] que possuía contra si sentença de mérito de total procedência”, disse o ministro.
Como a empresa requereu no recurso a extinção do processo sem resolução de mérito, o STJ não poderia ultrapassar o pedido, para não cometer nova ilegalidade. “Assim, o processo deve ser parcialmente extinto sem exame de mérito, tal como pleiteado pela recorrente, mas apenas no que concerne ao pedido de reintegração de posse”, disse Salomão.
Em relação ao pagamento dos aluguéis, o relator afirmou que a decisão das instâncias ordinárias deve ser mantida, porque é independente do pedido possessório. Os aluguéis correspondem ao período em que a empresa permaneceu no imóvel, a partir do término do prazo da primeira concessão, até a data da celebração do novo contrato de concessão.
Quanto à verba advocatícia, o ministro reconheceu que o TJSP, ao anular o próprio acórdão na apelação, ofendeu o princípio do non reformatio in pejus (que impede que o julgamento de um recurso piore a situação de quem recorreu). O acórdão de apelação havia reduzido a verba de R$ 373 mil para R$ 50 mil. Com o acolhimento dos embargos de declaração, o acórdão foi tornado sem efeito e a sentença foi restabelecida integralmente, em prejuízo da empresa.
Por isso, o ministro declarou que os honorários advocatícios devem ser mantidos em R$ 50 mil, conforme o acórdão de apelação. Acessado em 8/7/2012)