Não
existe venda a prazo com preço de venda à vista. Com esse
argumento, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
reverteu decisão da Quarta Turma que havia identificado abuso
contratual na cobrança dos chamados “juros no pé”. Por maioria
de seis a três, os ministros do colegiado responsável por casos de
direito privado manteve a jurisprudência tradicional da corte, pela
legalidade da cobrança.
Os
“juros no pé” são juros de caráter compensatório cobrados
pela incorporadora antes da entrega das chaves do imóvel em
construção. Para a Quarta Turma, nessa fase não haveria empréstimo
de capital pela construtora ao comprador, nem uso do imóvel por
este, o que tornaria a previsão contratual descabida.
Segundo
o voto do ministro Luis Felipe Salomão na decisão revertida pela
Seção, a hipótese configuraria “aberrante cobrança reversa de
juros”, pagos por quem entrega o capital em favor de quem toma o
empréstimo.
Legalidade firme
Para
o ministro Antonio Carlos Ferreira, porém, o assunto não é novo no
STJ, que tradicionalmente considera legais as cláusulas contratuais
de promessa de compra e venda de imóvel em construção que preveem
tal cobrança. Condutor do voto que prevaleceu, ele apontou diversas
decisões nesse sentido, com julgados de relatores e colegiados
diferentes entre 2002 e 2009.
O
ministro, designado relator para o acórdão, afirmou que a
comercialização de imóvel na planta facilita o acesso à moradia
e, em regra, constitui excelente investimento para o comprador, que
adquire o bem com valor bastante inferior ao preço do imóvel
pronto.
Equilíbrio
O
ministro Ferreira argumentou também que a relação contratual
estabelece obrigações para ambas as partes. “Enquanto o comprador
tem a obrigação de pagar o preço ajustado, o incorporador assume
toda a responsabilidade pela conclusão do empreendimento: aquisição
do terreno, concepção do projeto de edificação, aprovação dos
documentos junto aos órgãos competentes, efetuação dos registros
no cartório, construção da obra (ou sua supervisão) e venda das
unidades, diretamente ou por meio de terceiros”, afirmou.
Além
disso, a quitação da compra do imóvel em produção deveria ser
feita à vista. Se o incorporador oferece prazo adicional para o
comprador pagar, mediante parcelamento do preço, é um favorecimento
financeiro ofertado.
“Em
tal hipótese, em decorrência dessa convergência de interesses, o
incorporador estará antecipando os recursos que são de
responsabilidade do adquirente, destinados a assegurar o regular
andamento do empreendimento. Afigura-se, nessa situação, legítima
a cobrança de juros compensatórios”, concluiu.
Para
o ministro, a exclusão dos juros compensatórios convencionados
entre as partes altera o equilíbrio financeiro da operação e a
reciprocidade do contrato.
Prazo à vista
O
ministro considerou ainda que seria injusto com aquele que paga o
preço à vista que o optante pela compra parcelada pagasse
exatamente o mesmo preço, sem nenhum acréscimo.
“De
fato, como reiteradamente alertam os órgãos de defesa dos
consumidores, não existe venda a prazo pelo preço de venda à
vista. O que pode acontecer é o consumidor comprar à vista pagando
o preço correspondente da venda a prazo”, ponderou.
Transparência
contratual
Ferreira
entendeu também que a previsão contratual explícita dos juros
atende melhor o direito à informação do consumidor previsto no
Código de Defesa do Consumidor (CDC).
“Ninguém
duvida que esses juros compensatórios, relativos ao período
anterior à entrega das chaves, se não puderem ser convencionados no
contrato, serão incluídos no preço final da obra e suportados pelo
adquirente, sendo dosados, porém, de acordo com a boa ou má
intenção do incorporador”, considerou o relator.
“Se
os juros compensatórios estiverem previstos no compromisso de compra
e venda, o incorporador estará assumindo que não os incluiu no
custo final da obra. Isso traz maior transparência ao contrato,
abrindo inclusive a possibilidade de o Judiciário corrigir eventuais
abusos”, concluiu.
A
posição do ministro Antonio Carlos Ferreira foi acompanhada pelos
ministros Isabel Gallotti, Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Raul
Araújo e Massami Uyeda. Com o relator Sidnei Beneti, vencidos,
ficaram os ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Nancy Andrighi.
(http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106076
Acessado em1/7/2012)