Por
Marcos de Vasconcellos
Candidatos
aprovados em um concurso fraudado no Rio de Janeiro impediram no
Tribunal de Justiça que o concurso fosse suspenso e garantiram que o
estado reservasse suas vagas.
O grupo
de 93 pessoas entrou na Justiça contra ato da Secretaria da Fazenda,
que suspendeu o concurso para auditor fiscal no qual cartões-resposta
foram trocados na hora da correção da prova. Auditoria constatou
que a fraude envolveu apenas três candidatos, os três primeiros
colocados na prova.
Segundo o
advogado dos candidatos, Sérgio Camargo, a troca de cartões não
contaminou todo o certame, pois os candidatos privilegiados puderam
ser identificados e retirados do concurso.
“Filmagens
mostram claramente um funcionário da empresa responsável pela
correção das provas trocando três cartões-resposta na hora de
enviar os documentos para correção. Os cartões foram identificados
e os candidatos também.”
Camargo
classificou a suspensão do concurso determinada pelo governo como
uma “arbitrariedade” do estado.
A 9ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro rejeitou, na
última terça-feira (6/12), por unanimidade o Agravo no qual o
estado pedia a reforma da decisão proferida pela 5ª Vara de Fazenda
Pública. A juíza Roseli Nalin suspendeu a determinação do
governo.
Na
sentença, ela entendeu que para anular todo o concurso, seria
preciso respeitar os princípios do contraditório e da ampla defesa,
para que os candidatos aprovados pudessem se manifestar. O que não
aconteceu.
No início
de novembro, ao analisar Embargos de Declaração, o relator do caso
no TJ-RJ, desembargador Carlos Eduardo Moreira da Silva, afirma em
decisão monocrática do dia 7 de novembro, na qual negou Embargos de
Declaração pedidos pelo estado que "não há nos autos
qualquer elemento de prova, no momento processual atual, que indique
que a fraude detectada pudesse comprometer a lisura e a segurança do
concurso como um todo".
Para ele,
o estado não conseguiu justificar a necessidade de suspensão do
concurso. "A autoridade que invalidar o ato tem que demonstrar,
no devido processo legal, a nulidade com que foi praticado",
explicou.
O estado
foi condenado também a não realizar novo concurso público e a
pagar R$ 10 mil se descumprir a decisão.
Processo
0046269-15.2011.8.19.0000
Leia a
sentença da juíza Roseli Nalin:
Trata-se
de Ação Anulatória de Ato Administrativo c/c com Obrigação de
Fazer, com pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela, ajuizada
por LUISE PINHEIRO CHEVITARESE E OUTROS em face do Estado do Rio de
Janeiro e da Fundação Getúlio Vargas, tendo por objeto principal a
decisão administrativa que anulou o concurso público para o cargo
de auditor fiscal da receita estadual, bem como a determinação para
que a organizadora do concurso (FGV) efetuasse a devolução dos
valores pagos pelos candidatos a título de inscrição no citado
certame.
Alegam os
Autores em seu longo arrazoado que a FGV, contratada pelo Estado do
Rio de Janeiro para organizar e executar o concurso público,
detectou, após a 1ª fase do certame, tentativa de fraude por ato de
empresa terceirizada que detinha por obrigação realizar os serviços
de ótica dos cartões de resposta (CONSUPLAN).
Aduzem
ainda os Autores que após auditoria realizada pela FGV, inclusive
com o acompanhamento da Polícia Civil do Estado, restou constatado,
com provas robustas, que 3 (três) candidatos teriam sido favorecidos
mediante a prática de fraudes nos cartões respostas executadas (as
fraudes) por funcionário da citada empresa subcontratada.
No mais,
demonstram que com base nas citadas constatações a Secretaria de
Estado de Fazenda resolveu anular, integralmente, o concurso, a
despeito de ter sido identificado que a tentativa de fraude
restringiu-se aos 3 (três) candidatos, inclusive com a determinação
de devolução dos valores das inscrições.
Como
causa de pedir das pretensões formuladas pelos Autores, aduziu-se
que não seria proporcional anular o concurso inteiro quando as
fraudes detectadas foram restritas a determinados candidatos
devidamente identificados, o que violaria, segundo a tese autoral, a
boa fé dos demais concursandos e a teoria da convalidação dos atos
administrativos, uma vez que o próprio Edital do concurso prevê a
punição de exclusão do certame dos candidatos flagrados em
tentativa de fraude.
No mais,
alegam os Autores que a anulação do certame não foi precedida do
devido processo legal, com a observância do direito ao contraditório
e à ampla defesa dos demais concursandos interessados na manutenção
do certame.
Com base
nestes argumentos, os Autores requerem, liminarmente, a suspensão da
devolução dos valores da inscrição, bem como a suspensão da
realização de novo certame, com a reserva das vagas aos Autores,
até o julgamento definitivo da demanda. Este o relatório.
Passo a
decidir.
O exame
dos autos revela que a liminar deve ser deferida em parte. A decisão
que aprecia a medida liminar, como se sabe, é fundada em mero juízo
de delibação, motivado pelo reconhecimento da ocorrência, ou não,
dos requisitos inerentes à plausibilidade jurídica e ao periculum
in mora. (STF, Pet. 2.570-9/RJ, Rel. Ministro CELSO DE MELLO, Segunda
Turma, DJ de 28.06.2002).
Na
esteira deste juízo de delibação superficial e sumário, próprio
das medidas liminares, não serão apreciadas neste momento
processual as questões atinentes à possibilidade de que a detecção
de tentativa de fraude poderia acarretar no comprometimento da
segurança e da higidez do concurso como um todo, o que demandaria,
por óbvio, dilação probatória inviável nesta fase do processo.
A
verossimilhança das alegações autorais reside, entretanto, em dois
argumentos contidos na causa de pedir inicial: o desrespeito ao
devido processo legal e a ausência de proporcionalidade da anulação
do concurso como um todo quando, a primeira vista, a tentativa de
fraude foi restrita a apenas 3 (três) candidatos.
No
tocante ao primeiro argumento, como se sabe, detém a Administração
Pública o poder-dever de realizar autotutela administrativa de seus
próprios atos, anulando aqueles que tiverem vício de legalidade, na
esteira dos enunciados contidos nas Súmulas nºs. 346 e 473, ambos
do Supremo Tribunal Federal.
O
exercício do citado poder-dever, entretanto, encontra limites nos
próprios direitos fundamentais daqueles que tenham sua situação
jurídica atingida pela decisão de anulação dos atos
administrativos, na forma do que prescreve o artigo 5º, inciso LV da
Constituição da República, que assim dispõe: ´LV - aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios
e recursos a ela inerentes’.
Assim,
ainda que se admita tenha havido qualquer ilegalidade no certame a
atingir sua legalidade como um todo, o exercício da autotutela
administrativa não pode ficar a mercê da vontade do administrador
público, tendo o mesmo limites jurídicos ao dever poder de
invalidar os atos inquinados de ilegalidade.
Um destes
limites é exatamente o princípio do contraditório e da ampla
defesa. Verifica-se, desta forma, que sempre que um ato
administrativo repercutir na esfera jurídica do administrado, ainda
que este seja ilegítimo ou ilegal, deve, impreterivelmente, a
Administração Pública conceder àquele que sofrerá os efeitos da
invalidação oportunidade para se manifestar sob o crivo do
contraditório e do devido processo legal.
A
jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal e do Superior
Tribunal de Justiça é repleta de decisões no sentido de que a
anulação de concurso público que repercuta na esfera de interesse
de terceiros deve ser precedida de processo administrativo específico
com a garantia do contraditório e da ampla defesa, conforme se
infere dos seguintes precedentes, verbis:
´EMENTA
: MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. PROCEDIMENTO
DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. NOTIFICAÇÃO DE PESSOAS DIRETAMENTE
INTERESSADAS NO DESFECHO DA CONTROVÉRSIA. CONTRADITÓRIO E AMPLA
DEFESA. NECESSIDADE. Sempre que antevista a existência razoável de
interessado na manutenção do ato atacado, com legítimo interesse
jurídico direto, o CNJ está obrigado a dar-lhe ciência do
procedimento de controle administrativo. Identificado o legítimo
interesse de terceiro, o acesso ao contraditório e à ampla defesa
independem de conjecturas acerca da efetividade deste para produzir a
defesa do ato atacado. Segurança concedida, para anular o acórdão
atacado e para que o CNJ possa notificar os impetrantes acerca da
existência do PCA e de seu direito de serem ouvidos.´ (MS 27154,
Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em
10/11/2010, DJe-025 DIVULG 07-02-2011 PUBLIC 08-02-2011 EMENT
VOL-02459-01 PP-00016)
A atuação
fiscalizadora do Conselho Nacional de Justiça não ficou balizada no
tempo, considerada a Emenda Constitucional nº 45/2004. CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA - DEVIDO PROCESSO LEGAL - CONTRADITÓRIO.
Envolvida, no processo administrativo, situação constituída no
tocante a terceiros, impõe-se a ciência destes para, querendo,
apresentarem defesa. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - DEVIDO PROCESSO
LEGAL - CIÊNCIA FICTA. A espécie de conhecimento ficto, presente
publicação ou edital fixado em setor do Órgão, pressupõe a
ciência do processo em curso, surgindo como regra a comunicação
direta. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - PROCESSO - CIÊNCIA - ARTIGO
98 DO REGIMENTO INTERNO. Desconhecida a existência do processo,
mostra-se inconstitucional dispositivo do Regimento Interno do
Conselho Nacional de Justiça - artigo 98 - prevendo a ciência ficta
de quem pode ser alcançado por decisão administrativa. CONCURSO
PÚBLICO - NOTÁRIOS E REGISTRADORES - COMISSÃO. Faz-se regular a
comissão de concurso com a participação, personificando notários
e registradores, da Presidente da entidade de classe, pouco
importando seja esta notária ou registradora.´ (MS 25962,
Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em
23/10/2008, DJe-053 DIVULG 19-03-2009 PUBLIC 20-03-2009 EMENT
VOL-02353-01 PP-00156 RTJ VOL-00209-03 PP-01103 LEXSTF v. 31, n. 363,
2009, p. 108-126)
´RECURSO
ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO.
EXONERAÇÃO EM VIRTUDE DE ANULAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO POR ATO
UNILATERAL DE PREFEITO. NECESSIDADE DE PRÉVIA INSTAURAÇÃO DE
PROCESSO ADMINISTRATIVO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1.
Nos casos em que a invalidação do ato administrativo repercuta no
campo de interesses individuais de servidores, firmou-se tese neste
Sodalício segundo a qual é necessária prévia instauração de
processo administrativo que assegure o exercício da ampla defesa e
do contraditório. 2. A exoneração de servidor público em estágio
probatório por ato unilateral do Prefeito, com base no seu poder de
autotutela e em virtude da anulação de concurso público também
por ato daquela autoridade, depende da prévia instauração de
processo administrativo, sob pena de nulidade. Precedentes do Supremo
Tribunal Federal. 3. Recurso ordinário provido.´ (RMS 24.091/AM,
Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em
22/02/2011, DJe 28/03/2011)
Além
disso, não há dúvidas de que na hipótese da alegada fraude em
relação a apenas 3 (três) candidatos, não se pode presumir a
mesma ilegitimidade em relação aos demais candidatos, especialmente
quando a conclusão da auditoria realizada pela FGV afirmou,
categoricamente, que não foram encontrados indícios da existência
de fraude em todo o certame.
Assim, ao
menos diante da delibação sumária própria desta fase processual,
o ato de anulação do concurso como um todo sem a devida motivação
e demonstração de ter havido fraude em relação a outros
candidatos implica, repita-se, em princípio e diante das provas
carreadas na inicial, possibilidade de violação ao dever de
proporcionalidade da medida, bem como infringência à boa fé dos
demais concursandos que não teriam participado de qualquer ato
fraudulento. Verifica-se, com isso, ao menos diante de uma análise
superficial, que a anulação total do concurso sem uma comprovação
de que a fraude detectada em relação a três candidatos contaminou
o certame como um todo implica em violação ao dever de
proporcionalidade que deve pautar os atos da Administração Pública.
Isto porque, em uma primeira análise, a sumária anulação total do
certame pode ter sido um meio inadequado ao alcance dos fins
colimados (Geeignheit), ou mesmo desnecessária em relação à
restrição imposta (Erforderlichkeit) e, por fim, veicular medida
desproporcional (Verhältnismässigkeit). (CANOTILHO. J. J. Gomes.
Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed., Coimbra:
Almedina, 2004, págs. 269/270).
Presente,
deste modo, a verossimilhança das alegações autorais. Com o citado
requisito coexiste o periculum in mora. Não há dúvidas de que o
prosseguimento do processo administrativo correspondente, com a
devolução dos valores pagos pelos concursandos a título de
inscrição, assim como a possibilidade de instauração de um novo
certame, pode gerar uma situação de fato cuja reversibilidade
causará danos irreparáveis.
Por todas
estas razões, defiro a antecipação dos efeitos da tutela, para:
(i) suspender os efeitos do ato administrativo impugnado, salvo em
relação aos três candidatos cuja fraude foi detectada, impedindo
que se iniciem as devoluções dos valores pagos pela inscrição no
certame; (ii) determinar que o Estado do Rio de Janeiro deixe de
instaurar novo concurso com o mesmo objeto do certame objeto da
presente lide, sob pena de multa diária no valor de R$10.000,00 (dez
mil reais).
(
http://www.conjur.com.br/2011-dez-10/candidatos-aprovados-impedem-suspensao-concurso-fraudado.
Acessado em 10.12.2011)