A
Editora Escala Ltda. não conseguiu trazer ao Superior Tribunal de
Justiça (STJ) a discussão sobre o cabimento de indenização por
ter publicado declaração supostamente feita em “off”, após uma
entrevista. O presidente do STJ, ministro Ari Pargendler, negou
pedido da editora pela falta da procuração ao advogado que o
assina. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) condenou a
veiculação do “off”, independentemente de a declaração ser ou
não verídica, por violar a boa-fé e a ética.
O
caso trata de entrevista publicada na revista “Flash News”. A
conversa com o ator e produtor Pedro Neschling foi gravada e focou a
vida pessoal e profissional do artista. Mas o enfoque da publicação
foi uma declaração supostamente feita por Neschling em “off” –
conversa informal não gravada com o repórter – que conteria
crítica a colega de profissão. Para o TJRJ, o ato da revista causou
dano moral ao ator, que deverá ser compensado em R$ 26 mil (segundo
as alegações, em valores correspondentes a setembro de 2010).
Fúria,
revolta e indignação
“O
autor, nascido no mundo artístico, filho de artistas consagrados,
vem despontando na profissão de ator por seu talento, vocação e
muita dedicação, sendo por isso pessoa bastante conhecida do
público em geral”, afirma a petição inicial da ação de
indenização. Seu currículo contava, conforme a petição, em 2007,
com seis filmes (na condição de roteirista, produtor, diretor ou
ator), dois prêmios de cinema (inclusive o de melhor roteiro do
Festival de Varginha em 2002, pelo filme “Timor-Lorosae”), cinco
peças de teatro e 11 atuações em televisão (como ator de novelas
e especiais e apresentador).
Segundo
o pedido, a publicação “leviana, inverídica e antiética” de
declaração “que jamais fora produzida pelo ator” sobre o colega
de emissora Gustavo Leão causou “sentimentos de fúria, revolta e
indignação” no entrevistado, porque “totalmente divorciada da
realidade, de seus valores e crenças”. A veiculação teria
abalado profundamente seu relacionamento profissional com colegas e
diretores. Ainda conforme a petição, não se poderia admitir que a
revista usasse a imagem do ator para publicar matéria “mentirosa,
de cunho sensacionalista, violando seus direitos de personalidade”.
A
defesa da revista alegou que o trecho, apesar de não gravado, foi
testemunhado pelo repórter. Além disso, pelo contexto da
reportagem, seria possível perceber que a crítica era dirigida à
cobertura da mídia com relação aos atores iniciantes, e não ao
colega de profissão.
“Rostinho
bonito”
A
declaração que originou a disputa constou na capa da revista e na
primeira página da entrevista. Uma das chamadas dizia: “Ator fala
de família e de sua preocupação com a qualidade profissional de
seus colegas”. Um destaque da foto de página inteira do
entrevistado trazia a legenda: ‘“Será que tem talento ou é mais
uma carinha bonita?’, sobre Gustavo Leão.”
A
abertura da entrevista – “lead”, em jargão da imprensa –
afirmava: “Pedro Neschling é um ator de muita personalidade e
determinação na carreira, tanto quanto não poupa alguns de seus
colegas de trabalho – jovens como ele – e é categórico em dizer
que muitos deles não conseguem seguir em frente na profissão, pois
para se firmar no meio artístico, é preciso muito mais que um
rostinho bonito”.
Imperfeição
aceitável
Para
o juiz da ação, o ator – conhecido e experiente, apesar de jovem
– teria conhecimento do modo de atuação da mídia, que “sempre
buscou dar tom sensacionalista nas matérias que envolvem o mundo
artístico”. “E não é somente o mundo artístico que deve ter
redobrada atenção com a atuação da imprensa. Todos aqueles que
concedem entrevistas e aparecem na mídia com algum destaque têm
consciência de que tudo o que é dito pode ser registrado”, afirma
a sentença.
“E
não são poucas as vezes em que os repórteres agem de má-fé,
repassando apenas trechos isolados das entrevistas, dando conotação
diversa da ideia do entrevistado sobre determinado assunto, no
intuito de causar polêmica e oferecer produto mais vendável”,
acrescentou o juiz. Para ele, a questão deveria ser analisada nesse
contexto, levando-se em conta as “imperfeições da imprensa” no
“plano do aceitável”.
Mesmo
rejeitando o pedido do autor, a sentença conclui que, sendo a
preocupação do ator acabar com qualquer mal entendido com o colega
de profissão, “esta sua investida cumpriu tal finalidade”.
Boa-fé
e ética
O
TJRJ divergiu da primeira instância. Para os desembargadores, “se
a entrevista já estava encerrada quando o ator supostamente teria
proferido tal afirmação, forçoso reconhecer que as regras de
boa-fé objetiva e eticidade indicam que declarações prestadas
informalmente e sem prévio conhecimento do interlocutor sobre sua
veiculação não poderiam vir a ser objeto de manchete jornalística,
tampouco transformada no objeto central da reportagem”.
Ainda
segundo o TJRJ, como a própria editora afirma que as declarações
teriam sido feitas após a entrevista, não seria nem mesmo
necessário apurar se o ator efetivamente as teceu ou não. O tema
“qualidade profissional dos colegas de profissão” sequer fazia
parte das perguntas feitas pelo repórter ao ator, apontou o relator
da decisão.
Concluiu
o TJRJ que a publicação de eventual frase dita em contexto
genérico, em conversa informal, sem consentimento e após entrevista
constitui abuso de direito gerador de dano passível de indenização.
A
editora tentou forçar a apreciação do recurso especial contra a
decisão do TJRJ. O tribunal negou o cabimento desse recurso, o que
levou a editora a ingressar com agravo de instrumento no próprio
STJ. Porém, para o ministro Ari Pargendler, o agravo em si não pode
ser apreciado, por não constar nos autos a devida procuração ou a
sequência de substabelecimentos ao advogado que assina a peça.
(http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=103223
. Acessado em 23.9.2011)