O
procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ajuizou uma Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4655) no Supremo Tribunal
Federal (STF) contra a Lei 12.462/11, que cria o RDC (Regime
Diferenciado de Contratações Públicas), aplicável a licitações
e contratos de obras da Copa de 2014 e das Olimpíadas 2016.
Gurgel
apresenta dois argumentos ao pedir a concessão de liminar para
suspender a eficácia da norma até o julgamento definitivo da ação.
Segundo ele, se as licitações e contratações das obras forem
realizadas na forma regulada pela lei, “haverá comprometimento ao
patrimônio público”. O procurador-geral acrescenta que há
“necessidade de se garantir aos gestores segurança para que deem
início, de fato, às licitações e consequentes obras, serviços e
atividades voltadas à Copa do Mundo Fifa 2014 e aos Jogos Olímpicos
de 2016”.
A ADI do
procurador-geral foi distribuída por prevenção para o ministro
Luiz Fux porque ele recebeu a primeira ação ajuizada no Supremo
contra o RDC, de autoria do PSDB, DEM e PPS.
Inconstitucionalidade
formal
O
procurador-geral informa que a norma questionada resultou da
conversão em lei da Medida Provisória 527/11, editada originalmente
para modificar a estrutura organizacional e as atribuições dos
órgãos da Presidência da República e dos Ministérios. No curso
da tramitação da MP na Câmara, o deputado José Guimarães (PT-CE)
incluiu os dispositivos sobre o regime diferenciado de contratação.
Gurgel
afirma que a inclusão de matéria estranha à tratada na medida
provisória viola o devido processo legislativo e o princípio da
separação dos Poderes, já que as MPs são de iniciativa exclusiva
do presidente da República.
“Portanto,
como a Lei 12.462/11, quanto aos dispositivos impugnados, é fruto de
emenda parlamentar que introduz elementos substancialmente novos sem
qualquer pertinência temática com aqueles tratados na medida
provisória apresentada pela presidente da República, sua
inconstitucionalidade formal deve ser reconhecida”, afirma Gurgel.
Vícios
materiais
Ao longo
da ADI, que tem 35 laudas, o procurador-geral afirma que os
dispositivos da Lei 12.462/11 que tratam do RDC são
inconstitucionais porque ferem os balizamentos que necessariamente
devem ser observados pelas normas infraconstitucionais que regulam as
licitações e os contratos administrativos no país.
Gurgel
lembra que, de acordo com o inciso XXI do artigo 37 da Constituição
Federal, ressalvados os casos especificados na legislação, as
obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante
processo de licitação pública que assegure igualdade de condições
a todos os concorrentes.
Segundo
ele, essa regra não é respeitada na Lei 12.462/11 porque a norma
não fixa parâmetros mínimos para identificar as obras, os serviços
e as compras que deverão ser realizadas por meio do RDC. “Não há,
reitere-se, qualquer parâmetro legal sobre o que seja uma licitação
ou contratação necessária aos eventos previstos na lei,
outorgando-se desproporcional poder de decisão ao Executivo”,
conclui.
Segundo
Gurgel, a experiência mostra o risco que essa delegação representa
para o patrimônio público. Ele lembra que, “por ocasião dos
Jogos Panamericanos de 2007, a União, estado e município do Rio de
Janeiro não conseguiram organizar-se e identificar as obras e
serviços que deveriam ser realizados”. Ele afirma que “essa foi
uma das razões para que o orçamento inicial do evento, de 300
milhões de reais, tenha sido absurdamente ultrapassado, com um gasto
final na ordem de 3 bilhões de reais”.
Ele
acrescenta que “já se anunciam” deficiências graves no
planejamento e na organização do Poder Executivo para a realização
da Copa do Mundo de 2014. “A transferência, ao Executivo, do
regime jurídico de licitação pública, sem quaisquer critérios
preordenados na lei, além da ofensa ao artigo 37, inciso XXI, da
Constituição Federal, conspira contra os princípios da
impessoalidade, moralidade, probidade e eficiência administrativa".
Projeto
básico
O
procurador-geral questiona os dispositivos da lei que conferem à
Administração o dever de adoção preferencial do regime de
“contratação integrada” e “empreitada integral” de obras e
serviços de engenharia, o que implica uma única licitação para
projeto básico, projeto executivo e execução de obras e serviços.
Nessa modalidade de contratação, não é preciso definir
previamente o objeto das obras e serviços.
“A
definição prévia do objeto (da obra ou serviço) é um imperativo
decorrente do princípio da isonomia dos concorrentes, pois é a
partir dele que as diversas propostas podem ser objetivamente
comparadas”, explica. Gurgel ressalta que a Lei de Licitações
(Lei 8.666/93) define exaustivamente o que vem a ser o objeto da
licitação de obras e serviços, que na norma é chamado “projeto
básico”.
Por
exemplo, a Lei de Licitações determina que o “projeto básico”
é o conjunto de elementos necessários e suficientes para
caracterizar a obra ou serviço objeto da licitação, elaborado de
forma a assegurar a viabilidade técnica e o adequado tratamento do
impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação
do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução.
No caso
do RDC, informa Gurgel, “a definição das características e do
valor das obras contratadas somente serão aferíveis após assinado
o contrato e realizado o projeto básico pela pessoa contratada”.
O
procurador-geral identifica ainda um outro desvirtuamento dos
propósitos da licitação no modelo adotado pelo RDC: a
possibilidade que se concentrem num mesmo contratante o projeto
básico e a execução da obra ou do serviço. Gurgel afirma que isso
afronta a finalidade do procedimento licitatório, que é a ampla
competitividade.
“O
procedimento da pré-qualificação permanente, no âmbito do Regime
Diferenciado de Contratações Públicas, está na contramão disso
tudo, uma vez que busca a habilitação prévia dos licitantes em
fase anterior e distinta da licitação. E ainda permite que
interessados não pré-qualificados sejam alijados da licitação”,
diz Gurgel.
Ele
informa que o Tribunal de Contas da União já constatou que o modelo
de pré-qualificação implica inúmeras irregularidades, como
direcionamento de certames, conluio entre os participantes e
sobrepreços.
Danos
ambientais
O
procurador-geral afirma também que a lei, na parte que prevê a
adoção de medidas mitigadoras e compensatórias para obras ou
atividades potencialmente causadoras de danos ambientais ou
culturais, não pode ser interpretada no sentido de que sejam
dispensadas exigências estabelecidas nas normas que regulam o
licenciamento ambiental, especialmente a avaliação sobre a
possibilidade de realização da obra ou da atividade. (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=188758. Acessado em 10.9.2011)