O
art. 1º-F da Lei 9.494/1997 (1), com a redação dada pela Lei
11.960/2009, na parte em que disciplina os juros moratórios
aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional
ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária,
aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a
Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao
princípio constitucional da isonomia [CF, art. 5º, “caput”
(2)]; quanto às condenações oriundas de relação jurídica
não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice
de remuneração da caderneta de poupança é constitucional,
permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da
Lei nº 9.494/1997 com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009.
O
art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº
11.960/2009, na parte em que disciplina a atualização monetária
das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração
oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao
impor restrição desproporcional ao direito de propriedade [CF, art.
5º, XXII (3)], uma vez que não se qualifica como medida adequada a
capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a
promover os fins a que se destina.
Com
base nessas orientações, o Plenário, em conclusão de julgamento e
por maioria, deu parcial provimento a recurso extraordinário em que
discutida a validade da utilização dos índices oficiais de
remuneração básica da caderneta de poupança para a correção
monetária e a fixação de juros moratórios incidentes sobre
condenações impostas à Fazenda Pública, conforme determina o art.
1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009.
Na
espécie, o ora recorrido ajuizou ação ordinária em face do INSS
com pedido de concessão do benefício assistencial previsto no art.
203, V, da CF (4). O juízo de primeiro grau, então, julgou
procedente o pedido e determinou que o INSS instituísse, em favor do
autor, benefício de prestação continuada, na forma do art. 20 da
Lei 8.742/1993 - LOAS (5). O pagamento das prestações vencidas
deveria ser acrescido de correção monetária pelo IPCA, a partir de
cada parcela, e juros de mora de acordo com o índice oficial de
remuneração básica da caderneta de poupança. Interposta apelação
pela autarquia previdenciária, a sentença foi mantida.
(Informativos 811 e 833).
O
Colegiado assentou a natureza assistencial da relação jurídica em
exame (caráter não-tributário); manteve a concessão de benefício
de prestação continuada (LOAS, art. 20) ao ora recorrido,
atualizado monetariamente segundo o IPCA-E desde a data fixada na
sentença; e fixou os juros moratórios segundo a remuneração da
caderneta de poupança, na forma do art. 1º-F da Lei 9.494/1997 com
a redação dada pela Lei 11.960/2009.
O
Tribunal destacou, inicialmente, que as decisões proferidas pelo STF
na ADI 4.357/DF (DJe de 26.9.2014) e na ADI 4.425/DF (DJe de
19.12.2013) não fulminaram por completo o art. 1º-F da Lei
9.494/1997, na redação dada pela Lei 11.960/2009. Nesses julgados
foi declarada a inconstitucionalidade da correção monetária pela
TR apenas quanto ao intervalo de tempo compreendido entre a inscrição
do crédito em precatório e o efetivo pagamento. Isso porque a norma
constitucional impugnada nas ADIs [CF, art. 100, § 12, incluído
pela EC 62/2009 (6)] referia-se apenas à atualização do precatório
e não à atualização da condenação após a conclusão da fase de
conhecimento.
A
redação do art. 1º-F da Lei 9.494/1997, como fixada pela Lei
11.960/2009, é, porém, mais ampla, englobando tanto a atualização
de precatórios quanto a atualização da própria condenação. Não
há, contudo, qualquer motivo para aplicar critérios distintos de
correção monetária de precatórios e de condenações judiciais da
Fazenda Pública.
A
finalidade básica da correção monetária é preservar o poder
aquisitivo da moeda diante da sua desvalorização nominal provocada
pela inflação. Esse estreito nexo entre correção monetária e
inflação exige, por imperativo de adequação lógica, que os
instrumentos destinados a realizar a primeira sejam capazes de
capturar a segunda. Índices de correção monetária devem ser, ao
menos em tese, aptos a refletir a variação de preços que
caracteriza o fenômeno inflacionário, o que somente é possível se
consubstanciarem autênticos índices de preços. Os índices criados
especialmente para captar o fenômeno inflacionário são sempre
obtidos em momentos posteriores ao período de referência e guardam,
por definição, estreito vínculo com a variação de preços na
economia.
Assim,
no caso, está em discussão o direito fundamental de propriedade do
cidadão (CF, art. 5º, XXII) e a restrição que lhe foi imposta
pelo legislador ordinário ao fixar critério específico para a
correção judicial das condenações da Fazenda Pública (Lei
9.494/1997, art. 1º-F). Essa restrição é real na medida em que a
remuneração da caderneta de poupança não guarda pertinência com
a variação de preços na economia, sendo manifesta e abstratamente
incapaz de mensurar a variação do poder aquisitivo da moeda. Nenhum
dos componentes da remuneração da caderneta de poupança guarda
relação com a variação de preços de determinado período de
tempo, como disciplinado pelo art. 12 da Lei 8.177/1991 (7).
Desse
modo, a remuneração da caderneta de poupança prevista no art. 1º-F
da Lei 9.494/1997, na redação dada pela Lei 11.960/2009, não
consubstancia índice constitucionalmente válido de correção
monetária das condenações impostas à Fazenda Pública.
Vencidos,
em parte, os ministros Teori Zavascki, Dias Toffoli, Cármen Lúcia
(Presidente) e Gilmar Mendes, que deram provimento total ao recurso.
Vencido,
também, o ministro Marco Aurélio, que negou provimento ao recurso.
(1)
Lei 9.494/1997: “Art. 1º-F. Nas condenações impostas à Fazenda
Pública, independentemente de sua natureza e para fins de
atualização monetária, remuneração do capital e compensação da
mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento,
dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à
caderneta de poupança”.
(2)
CF: “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes”.
(3)
CF: “Art. 5º (...) XXII - é garantido o direito de propriedade”.
(4)
CF: “Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela
necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social,
e tem por objetivos: V - a garantia de um salário mínimo de
benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que
comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”.
(5)
Lei 8.742/1993: “Art. 20. O benefício de prestação continuada é
a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e
ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida
por sua família”.
(6)
CF: “Art. 100 (...) § 12. A partir da promulgação desta Emenda
Constitucional, a atualização de valores de requisitórios, após
sua expedição, até o efetivo pagamento, independentemente de sua
natureza, será feita pelo índice oficial de remuneração básica
da caderneta de poupança, e, para fins de compensação da mora,
incidirão juros simples no mesmo percentual de juros incidentes
sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a incidência de
juros compensatórios”.
(7)
Lei 8.177/1991: Art. 12. Em cada período de rendimento, os depósitos
de poupança serão remunerados: I - como remuneração básica, por
taxa correspondente à acumulação das TRD, no período transcorrido
entre o dia do último crédito de rendimento, inclusive, e o dia do
crédito de rendimento, exclusive; II - como remuneração adicional,
por juros de: a) 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, enquanto a
meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil, for
superior a 8,5% (oito inteiros e cinco décimos por cento); b) 70%
(setenta por cento) da meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco
Central do Brasil, mensalizada, vigente na data de início do período
de rendimento, nos demais casos. § 1° A remuneração será
calculada sobre o menor saldo apresentado em cada período de
rendimento. § 2° Para os efeitos do disposto neste artigo,
considera-se período de rendimento: I - para os depósitos de
pessoas físicas e entidades sem fins lucrativos, o mês corrido, a
partir da data de aniversário da conta de depósito de poupança; II
- para os demais depósitos, o trimestre corrido a partir da data de
aniversário da conta de depósito de poupança. § 3° A data de
aniversário da conta de depósito de poupança será o dia do mês
de sua abertura, considerando-se a data de aniversário das contas
abertas nos dias 29, 30 e 31 como o dia 1° do mês seguinte. § 4°
O crédito dos rendimentos será efetuado: I - mensalmente, na data
de aniversário da conta, para os depósitos de pessoa física e de
entidades sem fins lucrativos; e II - trimestralmente, na data de
aniversário no último mês do trimestre, para os demais depósitos”.