O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a eficácia de decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que, no âmbito de processo administrativo, restringiu o acesso de beneficiários a políticas públicas do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA). A decisão cautelar, que será submetida a referendo do Plenário, foi proferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 478, ajuizada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Segundo a ação, o TCU analisou representação formulada pela Secretaria de Controle Externo da Agricultura e do Meio Ambiente (SecexAmbiental), do próprio tribunal, com base em indícios de irregularidades verificados na concessão de benefícios do PNRA. Com base no cruzamento de dados, o Tribunal de Contas apurou a existência de concessão de benefícios que conflitam com a legislação que rege a matéria, e determinou, cautelarmente, entre outras medidas, a suspensão dos processos de assentamento de novos beneficiários, dos processos de novos pagamentos de créditos da reforma agrária para os beneficiários com indícios de irregularidade e o acesso a outros benefícios e políticas públicas concedidos aos que fazem parte do PNRA, como o Garantia Safra, o Minha Casa Minha Vida – Habitação Rural, o Programa de Aquisição de Alimentos, Bolsa Verde, Pronera e Programa de Assistência Técnica e Extensão Rural.
O procurador-geral alegou que o acórdão do TCU “paralisou completamente e por tempo indeterminado toda a política da reforma agrária no país e impediu que milhares de beneficiários tivessem acesso a políticas públicas indispensáveis ao exercício de direitos fundamentais”, violando princípios e valores fundamentais da Constituição de 1988.
De acordo com Janot, as conclusões preliminares que deram suporte ao ato questionado provêm, exclusivamente, de cruzamento de bases de dados, “sem trabalho de campo nem interlocução prévia com algum dos supostos beneficiários irregulares”, e sem que fosse dada oportunidade a eles de, "previamente, apresentar qualquer sorte de defesa”.
Deferimento
O relator da ação, ministro Alexandre de Moraes, salientou que no caso estão presentes os requisitos necessários para a concessão da medida liminar, uma vez que o quadro narrado na petição inicial demonstra que as providências adotadas pelo TCU, relacionadas à suspensão cautelar do Plano Nacional de Reforma Agrária, “acabaram por extrapolar sua competência constitucional fixada no artigo 71 da Constituição Federal, especialmente nos seus incisos IX e X”.
Para o ministro, o exercício da competência de controle externo, financeiro e contábil da Administração Pública jamais poderia acarretar a paralisação completa de ações governamentais – inclusive aquelas ainda não realizadas, pois planejadas para o futuro – que têm fundamento direto e expresso na Constituição, como é o caso da Reforma Agrária. “Caberia ao órgão de controle externo assinalar prazo para que o órgão executor competente averiguasse a veracidade das irregularidades indicadas pelo cruzamento de dados, inclusive com a verificação concreta das informações levantadas, oportunizando aos envolvidos a possibilidade de declinar explicações ou refutações aos indícios referidos”, salientou.
O relator observou que, na hipótese, as medidas restritivas, que, na prática, sustaram os atos administrativos concessivos de benefícios do PNRA, “foram adotadas pela própria Corte de Contas com eficácia imediata, atribuindo-se a cada beneficiário o ônus de diligenciar junto a repartições públicas para a demonstração de seu estado de fato e de direito”. Segundo ele, apesar de a jurisprudência do STF admitir a possibilidade de que o TCU edite provimento cautelar com eficácia imediata em determinadas situações, no caso dos autos, “o alcance e a intensidade das providências adotadas pela Corte de Contas produziram um resultado desproporcional e exorbitante de suas atribuições constitucionais”.
De acordo com o ministro Alexandre de Moraes, o procedimento de tomada de contas (Acórdão 775/2016) não analisou de forma específica e detalhada cada um dos atos administrativos determinados, “mas sim todo o universo de benefícios concedidos no âmbito de uma política pública de amplo alcance social”. Assim, ele considerou que o TCU estabeleceu uma presunção de ilegitimidade desses benefícios com base em informações indiciárias, coletadas sem observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, conforme exige a Súmula Vinculante nº 3, do Supremo.
Destacou, ainda, ser injustificável que o controle inicial de irregularidades interrompa completamente o próprio andamento da política pública, em desproporcional prejuízo à população assistida pelo PNRA. Dessa forma, avaliou que, nessa primeira análise, a suspensão de pagamentos, de seleções de novos beneficiários, de processos de assentamentos de novos beneficiários e outros aspectos próprios do PNRA, caracteriza intervenção indevida do TCU sobre a condução de política pública de relevante valor social exercida pelo Poder Executivo, demonstrando extravasamento de suas competências constitucionais para o controle financeiro e contábil da administração. (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=355270&tip=UN Acesso em: 12 set 2017).