segunda-feira, 26 de agosto de 2013

A FIGURA JURÍDICA DA FUNDAÇÃO PÚBLICA DE DIREITO PRIVADO - ART. 37, XIX DA CF/88

Dentre as diversas formas de entidade estatal que integram a Administração Pública Indireta consta a figura da fundação. Sua previsão constitucional está disposta no inciso XIX do art. 37 da Constituição Federal1, parte final, onde remonta à lei complementar sua regulamentação devendo, desta feita, definir as áreas de atuação de fundações instituídas pelo poder público. O Decreto-Lei nº 200/1967, recepcionado pela Constituição da República de 1988 estabelece seu conceito. Vejamos.

Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se:
(...)
IV - Fundação Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes. (Incluído pela Lei nº 7.596, de 1987)
(…)
§ 3º As entidades de que trata o inciso IV deste artigo adquirem personalidade jurídica com a inscrição da escritura pública de sua constituição no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, não se lhes aplicando as demais disposições do Código Civil concernentes às fundações. (Incluído pela Lei nº 7.596, de 1987) (g.n.)


Sem dúvida, tempos atrás a Fundação causou divergências doutrinárias quanto à sua natureza jurídica. Há Autores, como o ilustre Hely Lopes Meirelles2, que defende sua constituição como de direito privado, consoante a redação dada pela EC 19/98 ao inciso XIX do art. 37, sob pena de tornar-se semelhante à autarquia, o que dificulta diferenciar Fundação desta última.
Celso Antônio Bandeira de Mello3, embora reticente à natureza jurídica de direito privado assegura que a nova redação do inciso XIX do art. 37 da CF/88 “já afasta, de per si, qualquer veleidade de pretender-se extrair-se do recente Código Civil”.
Marçal Justen Filho4 chega a afirmar que “se a natureza impuser o regime de direito público, será descabida a criação de uma fundação pública. Seria caso, então, de instituir autarquia.”
Maria Sylvia Zanella di Pietro5 assegura que as fundações públicas de direito privado se submetem às normas de natureza pública quando instituídas ou mantidas pelo poder público.
A fundação não apresenta natureza associativa. Ou seja, possui finalidade pública – prestar serviço público de ciência, ensino, pesquisa, extensão, saúde, o que difere das associações ou corporações. Labutam em prol do interesse coletivo, não tem fins lucrativos. Exemplo típico: as Universidades Públicas.
Assim, seu regime jurídico é administrativo, isto é, sob a égide do direito público, incluindo as prerrogativas e sujeições que lhe são inerentes. Nada, portanto, impede que a Lei instituitodora e seu Estatuto, quando se tratar de fundação como pessoa jurídica de direito privado, adote regime jurídico-publicístico.
Disso decorre que seus bens são vinculados ao desenvolvimento da atividade que realiza. Sua atividade não configura atividade de exploração econômica, e sim prestação de serviço público, caso contrário seria inconstitucional a vinculação de bens e recursos públicos para seu desenvolvimento, uma vez que é mantida com recursos públicos. Tudo porque o estado tem o dever de contribuir com os recursos necessários à sua existência.
Em outras palavras, a fundação pública de direito privado terá patrimônio e receita próprios, mas seus recursos públicos serão advindos do orçamento anual, subsidiada pelo poder público. Mas nada impede de receber tais recursos da iniciativa privada, inclusive de entidades não governamentais, sejam elas nacionais ou internacionais, como também, formalizar parcerias e celebrar convênios com entes públicos.
Disto decorre sua subordinação à fiscalização pelo Tribunal de Contas, controle administrativo exercido pelo poder Executivo e supervisão de gestão financeira, consoante o art. 26 do Decreto-Lei n. 200/676 (arts. 49, inc. X, 72 e 73 da CF/88).
Sem fins lucrativos, tal fundação estará sujeita à Lei de Licitações – 8.666/93.
O quadro permanente de servidores públicos da instituição será formado a partir de concurso público. Seu pessoal será regido pelo Regime Jurídico Único – Estatutário, conforme dispõe o art. 39 da CF/88, uma vez que o Supremo Tribunal Federal7 entendeu, em sede de cautelar, que

diante do restabelecimento da redação originária do art. 39, caput, da Constituição de República, os regimes jurídicos informadores das relações entre Estados, o Distrito Federal e os Municípios e seus respectivos servidores seriam o estatutário e o regime jurídico-administrativo8.

Em suma, entendo que a legislação administrativa impõe não só ao regramento constitucional do concurso público, sendo o servidor público investido em cargo público, regido pelo Estatuto do Servidor Público, e não detentor de emprego público, sob a regência da CLT. Isso porque a Fundação Pública de Direito Privado, além das razões acima expostas, é regida pelo regime administrativo, cuja atividade administrativa é voltada para a prestação de serviço público sem fins lucrativos.





1Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
(…)
XIX - somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
2MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 31 ed., São Paulo: Malheiros, pág. 66.
3MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo Brasileiro, 25 ed., São Paulo: Malheiros, pág. 185.
4JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo Brasileiro, 1 ed., São Paulo: Saraiva, pág. 124.
5DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 22 ed., São Paulo: Atlas, pág. 440.
6Art. 26. No que se refere à Administração Indireta, a supervisão ministerial visará a assegurar, essencialmente:
I - A realização dos objetivos fixados nos atos de constituição da entidade.
II - A harmonia com a política e a programação do Govêrno no setor de atuação da entidade.
III - A eficiência administrativa.
IV - A autonomia administrativa, operacional e financeira da entidade.
7No mérito, será preciso esperar para saber se o STF entenderá em que situação a entidade da Administração Pública Indireta poderá adotar o regime estatutário ou o regime trabalhista.

8http://jus.com.br/artigos/17517/fundacoes-estatais-de-direito-privado-na-area-de-prestacao-de-servicos-de-saude Acesso em: 25/8/13.

por Glaucia Ribeiro