Prevaleceu o voto do ministro Roberto Barroso (relator da ADPF) no tocante à rejeição da preliminar de não conhecimento suscitada sob a justificativa de que se estaria, indiretamente, a impugnar o Enunciado 331 (1) da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
O relator aduziu que, na verdade, está em questão conjunto de decisões da Justiça do Trabalho que contrariaria princípios fundamentais da Constituição Federal (CF). O Supremo Tribunal Federal (STF) já admitiu ações em que se debateu conjunto de pronunciamentos e entendeu que a existência de decisões controvertidas traduz ato estatal suficiente para a ADPF.
O ministro Luiz Fux apontou que, na ADPF 405/RJ, foi categorizado como ato do Poder Público o conjunto de manifestações judiciais reiteradas que impactam a segurança, a ordem econômica e social, ainda que uniformes. Dessa maneira, com muito mais razão, o enunciado sumular.
O ministro Gilmar Mendes salientou que deve ser propiciada a discussão e a impugnação por ADPF de verbete de súmula que orienta dado ramo da Justiça se, porventura, se colocar em contraste com preceito fundamental. O cabimento, eventual, de recurso extraordinário não afasta o da ADPF.
O ministro Marco Aurélio acentuou que a lei regedora não reclama controvérsia contenciosa sobre o tema. Aceitar a exigência de decisões em descompasso manieta o próprio STF. Dificilmente, um recurso extraordinário que se contraponha ao teor de verbete do TST será admitido pela própria Corte trabalhista.
O ministro Celso de Mello assinalou que a súmula, embora não constitua norma de decisão, é motivada pela preexistência de controvérsia jurídica.
Vencidos os ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, que acolheram a preliminar.
O ministro Fachin não depreendeu da petição inicial a contradição necessária. Para ele e para a ministra Rosa, enunciado não se consubstancia ato do Poder Público. A ministra enfatizou não vislumbrar divergência a reclamar o manejo de ADPF, presente jurisprudência trabalhista absolutamente consolidada. Os ministros Rosa Weber e Ricardo Lewandowski assentaram que a maioria das decisões indicadas pela autora estão cobertas pelo manto da coisa julgada, portanto, incabível a utilização da ação. O ministro Lewandowski acrescentou que a requerente não se desincumbiu do ônus de especificar os atos do Poder Público que merecem ser apreciados, especialmente de caráter normativo ou cogente. A ADPF não se presta a atacar súmula, porquanto esta não possui caráter cogente.
No que tange à preliminar de inobservância à regra da subsidiariedade, o colegiado registrou que se tem concebido julgar ADPF e repercussão geral simultaneamente, até porque a decisão em processo objetivo produz efeitos mais extensos e profundos que a proferida em repercussão geral, pois vincula inclusive a Administração Pública e permite a reclamação imediata. A repercussão geral requer o esgotamento das instâncias ordinárias. No ponto, vencidos os ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Asseveraram que a regra da subsidiariedade impede o conhecimento da ADPF, uma vez que existem outros instrumentos processuais suficientes e adequados a solucionar a controvérsia [Lei 9.882/1999, art. 4º, § 1º (2)]. Na espécie, o recurso extraordinário sob a relatoria do ministro Luiz Fux.
Relativamente à superveniência de lei, o Plenário avaliou não ter resultado na perda do objeto da ADPF. Entre outras razões, a aprovação da norma ocorreu após o pedido da inclusão do feito em pauta. A ação não foi ajuizada contra a ausência de lei, e sim contra um padrão decisório, que permaneceu. Não houve revogação ou alteração do verbete do TST, que continua a ser interpretado e aplicado. A indicar que o tema continua a demandar a manifestação da Corte. Ademais, prevalece, na Justiça do Trabalho, o posicionamento de que a legislação editada em 2017 somente se aplica aos novos contratos. Consequentemente, todos aqueles em vigor em 2017 continuam sujeitos à mencionada linha interpretativa. De modo que o interesse subsiste.
Vencido o ministro Edson Fachin, que pugnou pelo sobrestamento do feito, no que acompanhado pelos ministros Rosa Weber e Ricardo Lewandowski. A seu ver, seria hipótese de se sobrestar a apreciação da ADPF para análise posterior junto com diversas ações diretas de inconstitucionalidade que discorrem sobre terceirização de mão-de-obra, abrangida a atividade-fim da empresa tomadora de serviço, em face do novel arcabouço jurídico (Leis 13.429/2017 e 13.467/2017). Vencida a ministra Rosa Weber também acerca da perda do objeto.
O colegiado, por maioria, também afastou a preliminar de ilegitimidade ativa “ad causam” da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). Considerou adequada a representatividade, visto que a associação aparentemente reúne as empresas do agronegócio. O agronegócio é particularmente impactado pela jurisprudência restritiva da Justiça do Trabalho. O ministro Edson Fachin explicitou compreensão de que, na dúvida acerca do exato enquadramento nos requisitos, indica-se para reconhecer a legitimidade ativa. Vencidos os ministros Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia (Presidente), que acataram a preliminar, diante da heterogeneidade da composição da autora.
Quanto ao mérito, o ministro Roberto Barroso (relator) julgou procedente a ADPF, consignando a licitude da terceirização de atividade-fim ou meio, no que foi acompanhado pelo ministro Luiz Fux.
O ministro Barroso advertiu que, no contexto atual, é inevitável que o Direito do Trabalho passe, nos países de economia aberta, por transformações. Além disso, a Constituição não impõe a adoção de um modelo de produção específico, não impede o desenvolvimento de estratégias de produção flexíveis, tampouco veda a terceirização.
O conjunto de decisões da Justiça do Trabalho sobre a matéria não estabelece critérios e condições claras e objetivas que permitam a celebração de terceirização com segurança, dificultando na prática a sua contratação.
A terceirização das atividades-meio ou das atividades-fim de uma empresa tem amparo nos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, que asseguram aos agentes econômicos a liberdade de formular estratégias negociais indutoras de maior eficiência econômica e competitividade.
Por si só, a terceirização não enseja precarização do trabalho, violação da dignidade do trabalhador ou desrespeito a direitos previdenciários. Terceirizar não significa necessariamente reduzir custos. É o exercício abusivo de sua contratação que pode produzir tais violações.
Para evitar o exercício abusivo, os princípios que amparam a constitucionalidade da terceirização devem ser compatibilizados com as normas constitucionais de tutela do trabalhador, cabendo à contratante observar certas formalidades.
Nesse sentido, as seguintes teses foram formuladas para posterior deliberação: 1) É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. 2) Na terceirização, compete à contratante verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada e responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias.
Em conclusão, o ministro observou que a responsabilização subsidiária da tomadora dos serviços pressupõe a sua participação no processo judicial.
Ao apreciar o Tema 725 da repercussão geral, o ministro Luiz Fux (relator) deu provimento ao recurso extraordinário, para reformar o acórdão recorrido, no que acompanhado pelo ministro Roberto Barroso.
O relator consignou que os valores do trabalho e da livre iniciativa são intrinsecamente conectados, em relação dialógica que impede seja rotulada determinada providência como maximizadora de apenas um deles.
O direito geral de liberdade, sob pena de tornar-se estéril, somente pode ser restringido por medidas informadas por parâmetro constitucionalmente legítimo e adequadas ao teste da proporcionalidade. É necessária argumentação sólida para mitigar liberdade constitucional.
Cumpre ao proponente da limitação o ônus de demonstrar empiricamente a necessidade e a adequação de providência restritiva. A segurança das premissas deve atingir grau máximo quando embasar restrições apresentadas fora da via legislativa.
A terceirização não fragiliza a mobilização sindical dos trabalhadores. Ademais, as leis trabalhistas são de obrigatória observância por empresa envolvida na cadeia de valor, tutelando-se os interesses dos empregados.
A dicotomia entre a atividade-fim e atividade-meio é imprecisa, artificial e ignora a dinâmica da economia moderna, caracterizada pela especialização e divisão de tarefas com vistas à maior eficiência possível. Frequentemente, o produto ou o serviço final comercializado é fabricado ou prestado por agente distinto. Igualmente comum, a mutação constante do objeto social das empresas para atender à necessidade da sociedade.
A terceirização resulta em inegáveis benefícios aos trabalhadores, como a redução do desemprego, crescimento econômico e aumento de salários, favorecendo a concretização de mandamentos constitucionais, como a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, sem prejuízo da busca do pleno emprego.
O escrutínio rigoroso das premissas empíricas assumidas pelo TST demonstra a insubsistência das afirmações de fraude e precarização. A alusão, meramente retórica, à interpretação de cláusulas constitucionais genéricas não é suficiente a embasar disposição restritiva ao direito fundamental, motivo pelo qual deve ser afastada a proibição [CF, arts. 1º, IV (3); 5º, II (4); e 170 (5)]. Reputa-se de índole inconstitucional o Enunciado 331 do TST por violar os princípios da livre iniciativa e da liberdade contratual.
As contratações de serviços por interposta pessoa são hígidas, na forma determinada pelo negócio jurídico entre as partes, até o advento das Leis 13.429/2017 e 13.467/2017, marco temporal após o qual incide o regramento.
O ministro Fux sugeriu a seguinte tese de repercussão geral (Tema 725): É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, revelando-se inconstitucionais os incisos I, III, IV e VI da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho.
Os ministros Alexandre de Moraes e Dias Toffoli subscreveram os votos de ambos os relatores. O ministro Alexandre de Moraes sublinhou que a intermediação ilícita de mão-de-obra, mecanismo fraudulento combatido pelo Ministério Público do Trabalho, não se confunde, em momento algum, com a terceirização de atividade-fim.
Em divergência, o ministro Edson Fachin julgou improcedente a ADPF e negou provimento ao recurso extraordinário.
Reiterou que, à época do ajuizamento da ação e do reconhecimento da repercussão geral no RE, inexistia lei específica que vedasse, limitasse ou regulamentasse a terceirização na atividade-fim empresarial. Por isso, no exame da matéria, não se levou em conta a mudança legislativa posterior, que será objeto de futuro debate no STF, por meio de ações diretas de inconstitucionalidade.
Para ele, não há violação ao princípio constitucional da legalidade ou a preceito derivado do art. 5º, II, da CF quando a Justiça especializada, sobretudo por seu Tribunal de cúpula, interpretando base infraconstitucional, adota um dentre os entendimentos possíveis e, ao assim fazê-lo, julga inválidas as contratações de mão-de-obra por empresa interposta na atividade-fim. Até porque a orientação contida no Enunciado 331 do TST adveio da análise do arcabouço normativo em vigor, à luz da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ausente então reforma de iniciativa legislativa. Logo, não havia vedação ao ato da Justiça especializada, que, por sua vez, não se coaduna em controle de constitucionalidade.
A prática interpretativa do Judiciário, nos limites da ordem jurídica, é função típica desse Poder. A regulamentação da citada modalidade de contratação encontrava-se até 2017 na espacialidade não exercida, porém exercitável pelo Congresso Nacional.
Depreende-se, do inciso I do verbete, que não foi vedada a terceirização. A Justiça do Trabalho, ao identificar a ocorrência da prática ilícita ou fraudulenta na intermediação de mão-de-obra, procura proteger as relações de emprego constitucionalmente adequadas, porque a prática da intermediação proporciona a reificação do empregado, a precarização das relações de trabalho e a redução das garantias insculpidas no art. 7º (6) da CF. O sistema constitucional que tutela os modos de produção não é coerente com barbárie. É preciso buscar o equilíbrio entre os princípios sem deles desbordar, principalmente os da livre iniciativa e da valorização do trabalho.
Os ministros Rosa Weber e Ricardo Lewandowski seguiram a divergência.
A ministra Rosa Weber expôs histórico da edição do Enunciado 331, bem como estudos e pesquisas acerca da matéria. A seu ver, a interpretação conferida prestigia o contrato de trabalho e sua condição de porta de acesso aos direitos constitucionais trabalhistas.
A perspectiva da terceirização de atividade-fim contraria o próprio conceito de terceirização nos termos propostos pela ciência da administração. Se o seu objetivo é a concentração das empresas em suas atividades principais, perde sentido a contratação quando se pretende terceirizá-las. Essa modalidade, também, carecia de respaldo legal, eis que toda legislação a seu respeito, salvo a do trabalho temporário, limitava o fenômeno a atividades acessórias.
Em seguida, o julgamento foi suspenso.
(1) Enunciado 331 do TST: “I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei 6.019, de 3.1.1974). II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei 7.102, de 20.6.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.”
(2) Lei 9.882/1999: “Art. 4º A petição inicial será indeferida liminarmente, pelo relator, quando não for o caso de argüição de descumprimento de preceito fundamental, faltar algum dos requisitos prescritos nesta Lei ou for inepta. § 1º Não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.”
(3) CF: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;”
(4) CF: “Art. 5º (...) II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”
(5) CF: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...)”
(6) CF: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...)”