O
Tribunal iniciou julgamento de ação declaratória de
constitucionalidade em relação à Lei federal 12.990/2014. A norma
reserva aos candidatos que se autodeclararem pretos ou pardos 20% das
vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos e
empregos públicos. Prevê também que, na hipótese de constatação
de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso e, se
houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua admissão,
após procedimento administrativo. A lei ainda dispõe que a nomeação
dos candidatos aprovados respeitará os critérios de alternância e
proporcionalidade, que consideram a relação entre o número de
vagas total e o número de vagas reservadas a candidatos com
deficiência e a candidatos negros.
O
ministro Roberto Barroso (relator) julgou procedente a ação. Ele
foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin,
Rosa Weber e Luiz Fux.
Inicialmente,
enfrentou a questão das cotas raciais em três planos de igualdade,
tal como compreendida na contemporaneidade: (a) formal; (b) material;
e (c) como reconhecimento.
Segundo
o relator, a igualdade formal impede o estabelecimento, pela lei, de
privilégios e diferenciações arbitrárias entre as pessoas, isto
é, exige que o fundamento da desequiparação seja razoável e que o
fim almejado seja compatível com a Constituição. No caso
analisado, o fundamento e o fim são razoáveis, motivados por um
dever de reparação histórica e por circunstâncias que explicitam
um racismo estrutural na sociedade brasileira a ser enfrentado.
Quanto
à igualdade material, observou que o racismo estrutural gerou uma
desigualdade material profunda. Desse modo, qualquer política
redistributivista precisará indiscutivelmente assegurar vantagens
competitivas aos negros.
Enfatizou,
em relação à igualdade como reconhecimento, que esse aspecto
identifica a igualdade quanto ao respeito às minorias e ao
tratamento da diferença de um modo geral. Significa respeitar as
pessoas nas suas diferenças e procurar aproximá-las, igualando as
oportunidades. A política afirmativa instituída pela Lei
12.990/2014 tem exatamente esse papel.
O
ministro frisou haver uma dimensão simbólica importante no fato de
negros ocuparem posições de destaque na sociedade brasileira. Além
disso, há um efeito considerável sobre a autoestima das pessoas.
Afinal, cria-se resistência ao preconceito alheio. Portanto, a ideia
de pessoas negras e pardas serem símbolo de sucesso, ascensão e
terem acesso a cargos importantes influencia a autoestima das
comunidades negras. Ademais, o pluralismo e a diversidade tornam
qualquer ambiente melhor e mais rico.
Segundo
o ministro relator, a lei em análise supera com facilidade o teste
da igualdade formal, material e como reconhecimento.
Afastou
a alegada violação ao princípio do concurso público. Afinal, para
serem investidos em cargos públicos, os candidatos negros têm de
ser aprovados em concurso público. Caso não atinjam o patamar
mínimo, sequer disputarão aquelas vagas. Observou que apenas foram
criadas duas formas distintas de preenchimento de vagas, sem abrir
mão do critério mínimo de suficiência. Previram-se duas filas
diversas em razão de reparações históricas.
Rejeitou
a apontada violação ao princípio da eficiência. Registrou que a
ideia de que necessariamente os aprovados em primeiro lugar por um
determinado critério sejam necessariamente melhores do que os outros
é uma visão linear da meritocracia. Tal conceito já havia sido
rechaçado pelo ministro Ricardo Lewandowski no julgamento da ADPF
186/DF (DJE de 20.10.2014), segundo o qual a noção de meritocracia
deve comportar nuances que permitam a competição em igualdade de
condições.
Para
o ministro Roberto Barroso, há um ganho importante de eficiência.
Afinal a vida não é feita apenas de competência técnica, ou de
capacidade de pontuar em concurso, mas possui uma dimensão de
compreensão do outro e de variadas realidades. A eficiência pode
ser muito bem-servida pelo pluralismo e pela diversidade no serviço
público.
O
relator também não vislumbrou ofensa ao princípio da
proporcionalidade. Para ele, a demanda por reparação histórica e
ação afirmativa não foi suprida pelo simples fato de existirem
cotas para acesso às universidades públicas. O impacto das cotas
raciais não se manifesta no mercado de trabalho automaticamente,
pois há um tempo de espera até que essas pessoas estudem, se formem
e se tornem competitivas. Ademais, seria necessário considerar
estar-se tratando das mesmas pessoas que entraram por cotas, as que
estariam disputando as vagas nos concursos.
Reputou
que a proporção de 20% escolhida pelo legislador é extremamente
razoável. Se a submetêssemos a um teste de proporcionalidade em
sentido estrito, também não haveria problema, porque 20%, em rigor,
representariam menos da metade do percentual de negros na sociedade
brasileira.
Quanto
à questão da autodeclaração, prevista no parágrafo único do
art. 2º da lei, asseverou que se devem respeitar as pessoas tal como
elas se autopercebem. Entretanto, não é incompatível com a
Constituição, observadas algumas cautelas, um controle heterônomo,
sobretudo quando existirem fundadas razões para acreditar que houve
abuso na autodeclaração.
Acrescentou
que, para dar concretude a esse dispositivo, é legítima a
utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários
de heteroidentificação para fins de concorrência pelas vagas
reservadas para combater condutas fraudulentas e garantir que os
objetivos da política de cotas sejam efetivamente alcançados, desde
que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o
contraditório e ampla defesa. Citou, como exemplos desses
mecanismos, a exigência de autodeclaração presencial perante a
comissão do concurso, a exigência de fotos e a formação de
comissões com composição plural para entrevista dos candidatos em
momento posterior à autodeclaração.
Para
o relator, a reserva de vagas vale para todos os órgãos e,
portanto, para todos os Poderes. Os Estados e os Municípios também
podem seguir a mesma linha.
Quanto
aos critérios de alternância e proporcionalidade na nomeação dos
candidatos, o relator deu exemplo sobre a forma correta de
interpretar a lei. No caso de haver vinte vagas, quatro seriam
reservadas a negros, com a seguinte sequência de ingresso: primeiro
colocado geral, segundo colocado geral, terceiro colocado geral,
quarto colocado geral, até que o quinto colocado seria o primeiro
colocado entre os negros, e assim sucessivamente. Dessa forma, não
se poderia colocar os aprovados da lista geral primeiro e somente
depois os aprovados por cotas.
O
ministro Alexandre de Moraes consignou que a Lei 12.990/2014 é
federal, logo é válida para todos os Poderes e órgãos da União.
Não é possível, em virtude da autonomia dos Estados e dos
Municípios, ampliar sua abrangência.
Acrescentou
que a lei é constitucional apenas quanto ao provimento inicial dos
cargos e empregos públicos. Após o ingresso na carreira, o sistema
de cotas não deve ser usado na ascensão interna, a qual se dá
mediante concursos internos de promoção e remoção que possuem
critérios específicos, determinados pela Constituição, de
antiguidade e merecimento.
O
ministro Edson Fachin entendeu que a política de cotas raciais se
aplica direta e imediatamente a todos os órgãos e instituições da
Administração Pública. Considerou, ainda, que o art. 4º da Lei
12.990/2014 se projeta não apenas na nomeação, mas em todos os
momentos da vida funcional dos servidores públicos cotistas.
A
ministra Rosa Weber acompanhou o voto do relator na íntegra.
Para
o ministro Luiz Fux, o percentual estabelecido pela lei se aplica
também em relação a promoções e remoções. Afirmou que, por se
tratar de política pública calcada no preâmbulo da Constituição
Federal, a lei vale para todos os Poderes da República e para todas
as unidades federadas.
Em
seguida, o julgamento foi suspenso.
ADC
41/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 11.5.2017. (ADC-41)
(http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo864.htm
Acesso em: 24 mai 2017)