domingo, 19 de junho de 2011

MONOPÓLIO DE FATO: INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO

O CASO EM CONCRETO: No Estado do Amazonas, por suas peculiaridades geográficas e sócioeconômicas, faz com que as empresas explorem atividades econômicas de forma concentrada, isto é, apenas na capital do estado, ou seja, em Manaus. Como consequência dessa situação, surge uma dificuldade, as vezes de difícil solução para a Administração Pública, qual seja contratar com empresa que preste serviços nos demais municípios do estado do Amazonas.
Exemplo típico diz respeito à prestação de serviços públicos essenciais, mais especificamente a prestação de serviço de telefonia fixa.
Tudo porque o serviço de telefonia fixa apenas uma única empresa executa tal serviço, conforme consulta ao site da ANATEL. Mas o problema concentra-se no fato de que para contratar com a referida empresa, a Lei Licitatória1 (art. 27 c/c o art. 55 da lei 8.666/93) impõe que a empresa contratada esteja quite com suas obrigações para com o Fisco.
O fato é que, sabe-se, informalmente, que tal empresa não participa de licitação pelo fato de encontrar-se irregular com suas obrigações fiscais, posto que a Lei em comento exige que o contratado demonstre, dentre outras exigências, sua regularidade fiscal não só durante a licitação como também no momento da celebração e por todo o período que estiver executando o serviço.

PERGUNTA - A questão desdobra-se em duas vertentes. a) Ficará a Administração prejudicada pela ausência deste serviço essencial, pelo motivo da empresa encontrar-se irregular com o Fisco? Pode o Poder Público celebrar este contrato contrariando a ordem jurídica vigente? b) Sendo possível a contratação, qual o enquadramento legaldisposto na Lei 8.666/93 em que se fundamentaria a contratação, visto que a empresa atua nesta área com a característica peculiar de monopólio?

RESPOSTA
Com relação a primeira questão, vale salientar o entendimento do Tribunal de Contas da União, por intermédio da Decisão nº 431/97 – Plenário, cujos efeitos foram estendidos às empresas privadas concessionárias de serviços públicos essenciais, por intermédio do Acórdão 1105/2006 – Plenário. Vejamos.

Decisão 431/97 - Plenário - Ata 28/97
(…)
Voto
omissis
13. Assim sendo, poder-se-ia, em uma análise isolada das normas, concluir-se que seria vedada a contratação de estatais e, até mesmo, o pagamento de serviços efetuados, caso estivessem em situação irregular perante o INSS e o FGTS. 14. Entretanto, forçoso é reconhecer que a situação ora examinada guarda suas peculiaridades, concretizadas na especialidade dos serviços que as estatais fornecem e que são reconhecidos como essenciais.
(…)
26. A conclusão que se impõe, por conseguinte, ao responder à presente Consulta, é de que é lícita a contratação de empresas estatais fornecedoras de serviço público essencial sob regime de monopólio, ainda que inadimplente com o INSS e o FGTS, desde que expressamente autorizada pela autoridade máxima do órgão judicial e embasada com as devidas justificativas. (Omissis) (g.n.)

Acórdão 1105/2006 – Plenário
(…)
Sumário
ADMINISTRATIVO. SOLICITAÇÃO DA SECEX/PB DE AUTORIZAÇÃO PARA PAGAMENTO DAS FATURAS DE EMPRESA PRIVADA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL SOB O REGIME DE MONOPÓLIO QUE SE ENCONTRAVA EM DÉBITO COM O INSS. FIXAÇÃO DE ENTENDIMENTO QUANTO À POSSIBILIDADE DE APLICAR OS PRESSUPOSTOS UTILIZADOS PELA DECISÃO Nº 431/97 - PLENÁRIO, POR ANALOGIA, A ESSE TIPO DE EMPRESA.
Aplicam-se os pressupostos utilizados pela Decisão nº 431/97 - Plenário, por analogia, às empresas privadas concessionárias de serviço público essencial, em regime de monopólio, ainda que em débito com o INSS e o FGTS, diante dos princípios da continuidade do serviço público e da supremacia do interesse coletivo. (g.n)
No mesmo sentido, a Advocacia Geral da União, expediu a Orientação Normativa editada pela Advocacia Geral da União,in verbis:

ORIENTAÇÃO NORMATIVA AGU Nº 09/2009
A COMPROVAÇÃO DA REGULARIDADE FISCAL NA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO OU NO PAGAMENTO DE SERVIÇOS JÁ PRESTADOS, NO CASO DE EMPRESAS QUE DETENHAM O MONOPÓLIO DE SERVIÇO PÚBLICO, PODE SER DISPENSADA EM CARÁTER EXCEPCIONAL, DESDE QUE PREVIAMENTE AUTORIZADA PELA AUTORIDADE MAIOR DO ÓRGÃO CONTRATANTE E CONCOMITANTEMENTE, A SITUAÇÃO DE IRREGULARIDADE SEJA COMUNICADA AO AGENTE ARRECADADOR E À AGÊNCIA REGULADORA.
INDEXAÇÃO: REGULARIDADE FISCAL. EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS. MONOPÓLIO. CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO. AUTORIZAÇÃO. COMUNICAÇÃO.
REFERÊNCIA: Decisão TCU 431/1997-Plenário, Acórdão TCU 1105/2006-Plenário”.

Em suma, as decisões jurisprudenciais e administrativas espancam as dúvidas acerca da irregularidade fiscal quando permitem que a Administração Pública contrate empresa privada concessionária de serviço público essencial quando detentora de atividade monopolista.
É bem verdade que o monopólio desempenhado por esta empresa não enquadra-se na norma do art. 173 da Constituição da República que ao prevê a exploração direta de atividade econômica pelo Estado especifica que esta só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
Em resumo, é possível contratar com empresa privada concessionária de serviço público essencial quando detentora de atividade monopolista, ainda que esteja irregular com o Fisco.
Quanto à segunda questão, ou seja, qual o enquadramento legal disposto na Lei 8.666/93 em que se fundamentaria tal contratação, visto que a empresa atua nesta área com a característica peculiar de monopólio? Vejamos. Configurado o monopólio decorre deste a inviabilidade de competição prevista no artigo 25 da Lei 8.666/832, isto é, trata-se de inexigibilidade de licitação. Sabe-se que o artigo 25 elenca rol exemplificativo. Assim, não sendo possível enquadrar nas hipóteses legais previstas em seus incisos, resta o enquadramento legal no caput do artigo 25 da Lei 8.666/83.
Na situação analisada o enquadramento legal dar-se-á nocaput do artigo 25 da Lei Licitatória. Isso porque a figura jurídica presente, a qual denomino de “monopólio de fato”,não encontra respaldo legal nos incisos elencados neste citado artigo.
A justificativa do “monopólio de fato” não está descrito no art. 173 da Constituição da República, mas sim no fato de que há completa ausência de interessados em explorar esse ramo de atividade econômica na região, fazendo com que tal empresa seja única na localidade, caracterizando-se, desta forma, em atividade monopolista por total falta de interesse das empresas em explorar comercialmente aquele local.
1Art. 27. Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a:
(...)
IV - regularidade fiscal.
Art. 55. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam:
(...)
XIII - a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação.
2Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;
II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;
III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.
§ 1º Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.
§ 2º Na hipótese deste artigo e em qualquer dos casos de dispensa, se comprovado superfaturamento, respondem solidariamente pelo dano causado à Fazenda Pública o fornecedor ou o prestador de serviços e o agente público responsável, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis.